A Covid-19 transformou o mundo e provocou mudanças significativas nos hábitos dos consumidores e, até, nas tendências de futuro. A GfK analisou os dados de negócio no mercado global de bens tecnológicos, desde o início deste ano, e constatou que 83% dos consumidores mudaram os seus hábitos de consumo, 78% dos consumidores estão preocupados com a pandemia e 85% com a crise económica. A análise foi apresentada esta quarta-feira, dia 11 de novembro, num webinar dedicado ao impacto da pandemia no consumidor, às mudanças a nível do consumo e às tendências no retalho.
Foco na casa
Não é novidade que muitas famílias alteraram os seus hábitos, ao passar mais tempo em casa. O aumento do número de refeições em casa levou, desde logo, à necessidade de conservar mais alimentos, pelo que o crescimento de congeladores ultrapassou largamente os esperados num produto que não gerava muito interesse no consumidor (114% no período de março a abril).
Globalmente, está a ser um ano de grande crescimento para os produtos de preparação de alimentos em geral, em Portugal, com destaque para robots (62%), batedeiras (37%) e liquidificadoras (28%), de acordo com os dados de janeiro a setembro.
Estar em casa implicou também levar a cabo algumas necessidades básicas de cuidado pessoal. Sem surpresas, os aparadores de cabelo (121%) e kits multi Ggrooming (63%) foram os produtos que mais cresceram no primeiro semestre, em Portugal, muito acima do resto do mundo (59% e 55%, respetivamente)
Mas passar mais tempo em casa também levou ao declínio de outros produtos. O sector têxtil foi dos mais afetados, com a maioria dos consumidores a confessar ter adiado compras de roupa, resultando numa queda esperada de quase 20% nos próximos meses.
Não obstante, verifica-se que a necessidade do consumidor de obter produtos premium, que sirvam para satisfazer as suas necessidades em casa, não desapareceu, muito pelo contrário. Por exemplo, a venda de aspiradores verticais recarregáveis continua a ser um dos principais motores de crescimento desta categoriaem Portugal (52%) e no mundo (+5%). Em paralelo, verifica-se que as vendas de frigoríficos de 3+portas e side by side estão acima do total de frigoríficos em Portugal (36%) e na Europa (21%), o que confirma a tendência de 2019 de procura gamas altas e maiores capacidades neste produto (13% em Portugal em 2019 e 7% na Europa em 2019).
Saúde e bem-estar
Durante o período de confinamento, a saúde e o bem-estar estiveram no topo das prioridades dos consumidores. Quase metade da população (49%) procurou manter-se ativa e saudável.
Como tal, a pandemia levou a crescimentos extraordinários em termómetros digitais, contribuindo para que o peso da categoria de bem-estar chegue a 30% do mercado, numa subida de 14% face a 2016.
Por outro lado, estima-se que 150 milhões dos cidadãos europeus sofrem de alergias crónicas e cerca de 70 milhões de asma, prevendo-se que, em 2025, mais de metade dos europeus sofra de alguma alergia. Assim, não é tão surpreendente que a categoria de tratamento do ar tenha crescido para cerca do dobro do mesmo período de 2019, em Portugal. E se em alguns grandes mercados, como a China, a pandemia forçou o decréscimo da poluição, levando mesmo à redução nas vendas de purificadores, em Portugal e na Europa a tendência é de forte crescimento (102%).
Outra tendência presente nos grandes e pequenos eletrodomésticos é o vapor. Aspiradores, “steam cleaners”, escovas de engomar a vapor e, também, máquinas de lavar com esta característica estão a registar um incremento significativo, tendo registado em Portugal um crescimento de 79% no primeiro semestre.
Em continuidade com anos anteriores, neste segmento de produtos, os ingredientes-chave para o consumidor são a performance, a simplificação, o premium e o omnicanal, com a pandemia de Covid-19 a reforçar estas tendências, às quais se acrescenta ainda a higiene e o bem-estar.
Telecomunicações, eletrónica de consumo e informática
A área de negócio das telecomunicações é uma das que mais sofreu com a pandemia, por não ser considerada essencial. Portugal apresenta uma tendência semelhante à Europa, com uma queda de vendas de 21,5%, no período de março a maio, coincidente com o confinamento e mesmo no pós-confinamento. Nos últimos meses assistiu-se a uma recuperação lenta, com os acessórios associados às telecomunicações a liderarem o crescimento, nomeadamente, os headsets com 34% e os wearables com 24% de crescimento.
A eletrónica de consumo, em Portugal, também está em linha com a tendência europeia, apesar de estar a reagir um pouco melhor face à Europa. De junho a setembro, assistiu-se a uma ligeira recuperação nesta categoria, com os equipamentos de entretenimento a contribuírem para o seu crescimento. Televisões e colunas de som são os equipamentos com a performance mais positiva nesta categoria (3% e 2%, respetivamente).
O confinamento levou a uma mudança de hábitos na própria sazonalidade dos produtos, com foco sobretudo, em produtos essenciais ao dia-a-dia e urgentes. Assim, o mercado premium sofreu com esta tendência, verificando-se uma maior procura por televisores mais baratos durante esse período. Nestes últimos meses, tem-se assistido a uma recuperação de 9% do mercado.
Já a categoria de informática está acima da média europeia. Verificou-se um crescimento acentuado das media boxes e media sticks e também do segmento “gaming”, devido à necessidade de entretenimento em casa. Também os computadores portáteis e todos os equipamentos associados ao “home office”, como as webcams (+163%) os ratos (+38%) ou as impressoras (+41%), tiveram um forte crescimento na altura do confinamento e no período de pós-confinamento, em que muitos consumidores mantiveram o teletrabalho.
A GfK prevê que o “novo normal” viverá a partir da disrupção que tem acelerado a mudança, com foco no que é essencial, no que está em casa e com os negócios a operar como sempre, mas com ligeiras alterações focadas na digitalização.
Fator promocional
Durante o período de confinamento, de março a maio, o online foi rei. Verificou-se um abruto crescimento das vendas online, nomeadamente nos pequenos eletrodomésticos. No pós-confinamento, o online continuou a incrementar a sua importância, nomeadamente através dos canais de distribuição que conseguiram oferecer uma experiência omnicanal.
Agora que se aproxima a Black Friday, também a GfK analisou o que se deve esperar do fator promocional numa altura de pandemia. Como seria de esperar, os produtos para casa vão liderar as compras na Black Friday, uma vez que se preveem novas restrições para esse período. E essas novas restrições podem conduzir a hesitações na hora da compra, levando os consumidores a adiarem as suas compras para um outro momento. Acima de tudo, o Black Friday irá ter um comportamento muito diferente de anos anteriores, ficando marcado pelo alargamento da promoção por mais dias/semanas.
Impacto da pandemia noutros sectores
Da mesma maneira que o mercado de bens tecnológicos se viu afetado pela pandemia, também outros sectores têm a sua quota de impacto em resultado do aparecimento do vírus. É o caso do mercado de livros, de brinquedos, de pneus, de papelaria, de gift boxes, de descanso e de gaming. Dentro de todas estas categorias analisadas, apenas a venda de consolas e acessórios para gaming apresenta valores positivos no período de janeiro a setembro.
O mercado de livros começa a apresentar alguma recuperação, ainda que muito lenta, sobretudo nos livros de literatura e ficção (+6%). A venda de livros online continua a ter uma grande relevância, sendo que as lojas físicas perdem clientes.
No caso dos brinquedos, as únicas categorias que tiveram performance positiva na altura do confinamento foram as de jogos e puzzles (15%) e desporto e ar Livre (37%), na medida em que apelam ao entretenimento em casa e, ao mesmo tempo, à manutenção de uma vida saudável.
O que esperar do futuro?
Após oito meses de pandemia, é possível afirmar que o conceito “casa” assumiu uma nova importância. As marcas tiveram que se adaptar, por exemplo, na publicidade, com mais momentos em família, em detrimento de momentos entre amigos. Existe uma janela de oportunidade para as empresas, uma vez que esta adaptação irá evoluir muito a curto prazo, com efeitos que se preveem duradouros.
Outra consequência da pandemia é a aceleração da transição digital. Estima-se que os investimentos em Portugal e as alterações nos modelos de trabalho, nos últimos meses, equivalam a uma antecipação de 10 anos em termos de digitalização da economia. Os efeitos no consumidor são evidentes, não só nas compras online em websites, como no elevado crescimento de aplicações de compras e de “delivery”. Os canais não presenciais de serviço ao cliente passaram a ser preferenciais, exigindo uma rápida adaptação por parte das empresas de contact center.
O serviço de streaming passou a ser uma importante fonte de lazer e representa um grande desafio para as marcas, pois são serviços sem publicidade.
Por outro lado, observa-se uma população mais sénior a adotar as novas tecnologias, para assim poder estar mais perto da família.
De acordo com a GfK, a gestão da experiência do consumidor passou a ser mais complexa, exigindo uma abordagem mais holística e flexível. Ser ágil e versátil deixou de ser um fator diferenciador, para ser um requisito essencial.